sexta-feira, 29 de março de 2013

A porta está trancada




Foi nesse seu jeito de usar meias palavras enquanto eu esbanjava orações em nossos diálogos. Foi nele que eu percebi não te conhecer além do tão pouco que me mostrava. Foi nesse seu jeito de ficar calado demais enquanto eu contava sobre o meu dia, a escola e os meus amigos, que eu encontrei razões para dizer que não te conheço tão bem quanto acreditava. Faltam palavras para reafirmar os gestos. Faltam gestos para dar conta das palavras. Falta tudo nesse vazio que eu sinto ao olhar o seu rosto, sentir que já te vi antes em algum lugar mas não me lembrar de onde.

O que você está usando no rosto parece ser uma máscara de indiferença. Não sei se ela é em relação a mim ou só algo que fiz e posso consertar porque você não me conta nada. É como se você estivesse no quarto e enquanto estou na sala. Você buscando se isolar do mundo e manter-se longe de mim, deitado na cama e eu, sentada no sofá, esperando uma visita. Depois de aguardar sua chegada por horas, acabo cansando e indo te visitar. Giro a maçaneta mas a porta está trancada. Os cômodos da casa que nos separam são as palavras e gestos escassos do nosso relacionamento. A porta fechada é a falta de confiança que sinto em você. É, a porta fechada é uma escolha minha. Tenho a chave e poderia abri-la a qualquer momento, mas a coragem escorregou pelas minhas mãos enquanto eu levantava do sofá.

Essa podia ser apenas uma daquelas neuras que eu me dizia lúcida demais para criar. Podia e eu gostaria que fosse. Toparia fingir que era, se isso mudasse alguma coisa. Mas é algo muito mais cruel do que uma invenção da minha cabeça. O que está feito, está feito e o que eu vi durante esse tempo parece que não pode ser mudado. Não por mim, mas por você que não compreende o que digo. Seus passos estão adiantados demais, como vou fazer para te acompanhar? Andamos em níveis diferentes. Enquanto procuro te entender, você insiste em se tornar indecifrável.

O que a gente faz agora? Eu volto para a sala e te deixo aí trancado, esperando a hora em que decidir por si próprio sentar ao meu lado, com o rosto que me é familiar e seguro? Ou eu abro a porta de casa e saio para a rua, correndo os meus olhos assustados por milhares de rostos tentando descobrir dentro de qual corpo te prenderam? Não sei. Faz tempo que espero algum despertador tocar e me salvar desse pesadelo. Mas o problema está na porta e em tudo que precisa de uma chave. Tudo precisa de uma chave.


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