Ah, qual é! Eu não queria mesmo...

Há pessoas que gostam de machucar as outras. No fundo, ou mesmo na superfície, bem explícito, elas sentem prazer com isso. Nem que seja só para deixar claro que nunca ficarão por baixo ou não se importam se o outro tentar lhe fazer o mesmo. Só que não é verdade. Mesmo que eles não se machuquem pela mesma razão que machucaram, todo mundo tem uma mancha roxa que quando apertada acaba doendo, assim como um lugar que faz mais cócegas e consegue arrancar um riso facilmente.

Lembro de quando era mais nova e as crianças da minha idade costumavam oferecer seu lanche ao colega. Perguntavam se ele queria um pouco do biscoito, salgadinhos, aqueles lanches praticamente irrecusáveis. Depois de dizer sim, alguns eram surpreendidos por um não vou te da-ar e na maioria das vezes aquela brincadeira era feita por seus amiguinhos.Claro que no final ficava tudo bem: ou era entendido e aceito o tom de brincadeira, estendendo-se a mão em forma de oferecimento ou o outro puxava para junto de si o seu lanche, afinal não estava nem aí. Por mim, também não vou te dar o meu. Fossem quais fossem as sequências, quase que no mesmo instante os dois estavam brincando juntos, porque não havia maldade propriamente dita naquilo. Só que a gente cresce. Crianças crescem e aos poucos se deparam com situações que lhes apresenta o mundo real mais duro e com intenções camufladas.

Os anos passam, você vai crescendo e, á medida que cresce, conhece o mundo, pessoas, intenções, mentiras, verdades e sentimentos. Aprende que atitudes nem sempre são interpretadas por você do jeito que elas significam. Sabe, o sorriso com que lhe receberam não veio com legenda. Talvez, por trás dele, o que estavam pensando era em como você não fazia ideia do quanto te achavam chata e sonsa. Comentários sussurrados enquanto passava, será que você não percebeu? Não, apenas retribuiu o sorriso daquele cara que um dia te fez sentir tão bem e achar que era realmente bonita. Será mesmo que ele não estava sendo verdadeiro? Pois é, até hoje você se pergunta. Segurar sua mão, encaixar os dedos entre os seus e caminhar alguns metros não significa que estará disposta a caminhar quilômetros ou milhas ao seu lado.

Ainda um dia, pedirão não um pouco do seu lanche, mas um pedaço do seu coração e você dará. Quando já tiverem uma parte dele, porém, pedirão mais e mais, porque só você sabe quão bom é se entregar e viver a sensação de acreditar que, agora sim, vai dar tudo certo. Até que você terá dado ele por inteiro e quando algo não sair como você planejou e as coisas derem errado, não terá previsões de quando tudo ficará bem novamente. Com o tempo aprenderá a esperar, ter paciência e vai fazer o máximo para tentar não repetir o erro que outrora tanto te machucou. Vamos, agora você já sabe, espere ter certeza. Puxe o seu coração para mais perto de si e proteja-o bem. Guarde-o para as pessoas que mereçam, mesmo depois de tentativas fracassadas, entregue a alguém que possa realmente confiar. Sim, não se preocupe, você vai encontrar. Só não esqueça que ainda vai pisar em pregos algumas vezes, antes de pisar em penas.

Daqui a pouco o sinal bate, chega a hora de ir embora. O portão se abrirá e você vai correr até cansar, gritando felicidade. Porque quando as portas estão abertas, é um desafio, mas é também uma promessa de que as coisas serão melhores, afinal, você quer que sejam. Novos dias, novas horas, novos rostos, experiências e quando algo der errado, em lembrança a infância você vai rir e dizer: ah, qual é! Eu não queria mesmo... E depois, acredite, você vai viver a delícia de pisar em muitas penas. Muitas vezes.